Protocolo: 201103232430
SENTENÇA
Trata-se deAção de Rescisão Contratual c/c Indenização por Danos Morais e Contratuais, proposta por THIAGO SOARES DE BASTOS em face de INPAR PROJETO 45 SPE LTDA, ambos qualificados na inicial.
Relata o autor ter firmado contrato de compromisso de compra e venda, no dia 22/09/2009, para aquisição de um bem imóvel na planta, qual seja um apartamento de 70,30 metros quadrados, n. 101, Edifício 'H' do Residencial Viver Fama, como descrito na inicial e documentos.
Aduz que a entrega do imóvel estava programada para dezembro de 2010 (Cláusula 'E' do referido contrato – fl. 43), mas não se efetivou até a presente data por culpa exclusiva da parte ré.
Assevera que, diante da promessa da entrega do imóvel em dezembro, o autor marcou seu casamento para o mesmo mês. Em outubro, verificando que a obra não ficaria pronta na data aprazada, remarcou seu casamento para 25/06/2011, ante a comunicação da empresa requerida de que os apartamentos seriam entregues impreterivelmente em fevereiro de 2011.
Pontua que, pretendendo rescindir o contrato firmado, foi-lhe informado que seriam retidos o sinal dado quando da assinatura do contrato, mais 30% (trinta por cento) do total do contrato e 1% (um por cento) ao mês do valor do imóvel, sendo que o restante seria restituído no mesmo número de parcelas pagas e corrigidas pelo mesmo índice pactuado e utilizado nos pagamentos.
Faz apontamentos sobre a abusividade da cláusula que prevê o atraso na entrega da obra, daquela que prevê a multa contratual em nítida desproporção entre as partes, e daquela que prevê a dedução de verbas indenizatórias exorbitantes e desproporcionais em caso de rescisão contratual.
Por fim, pede:
A) LIMINARMENTE: o direito de suspender os pagamentos à requerida; a disponibilização de sua unidade para venda a terceiros; a proibição da parte ré de negativar seu nome e a determinação para não execução das notas promissórias em seu poder;
B) NO MÉRITO: a declaração de rescisão do contrato por culpa exclusiva da parte ré; a devolução de todas as parcelas pagas devidamente corrigidas e com juros; a decretação de nulidade das cláusulas 4ª (deduções em caso de rescisão) e 5ª (prazo de tolerância); a aplicação de multa compensatória e juros de mora; a confirmação da antecipação de tutela pleiteada; a condenação da requerida a ressarcir os valores pagos a título de aluguel até a rescisão do contrato; a condenação na reparação de danos morais; a condenação da parte ré na devolução das notas promissórias assinadas; a inversão do ônus da prova e a concessão dos benefícios da assistência judiciária.
Juntou documentos às fls. 31/137, sendo que o contrato e aditivos constam das fls. 39/76.
Benefícios da assistência judiciária deferidos, à fl. 138.
Contestação às fls. 143/170, acompanhada dos documentos de fls. 171/224.
A requerida arguiu preliminarmente a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à espécie, e o ônus da prova do requerente.
No mérito, defendeu a aplicabilidade do princípiopacta sunt servanda e a não abusividade da cláusula de tolerância de atraso na entrega da obra.
Alega o inadimplemento contratual do requerente desde janeiro de 2011 e defende a legalidade e não abusividade da cláusula penal em detrimento do requerente, uma vez que foi livremente convencionada entre as partes.
Pondera que, estando a parte autora inadimplente, a rescisão contratual deu-se por culpa exclusiva sua, de modo que a restituição dos valores pagos deve ser feita nos termos do contrato, e não na integralidade do valor pago, como requer o Autor.
Salienta a impossibilidade: a) da venda judicial do imóvel para terceiros a fim de que a receita fosse revertida para o pagamento das indenizações pleiteadas;b) do pedido de desconsideração da personalidade jurídica da requerida;c) da aplicação de multa sob o argumento de culpa da requerida; d) do deferimento da suspensão dos pagamentos até o julgamento final da ação; e) de danos morais e f) de restituição do aluguel supostamente pago pelo autor.
Conclui pugnando pela improcedência dos pedidos.
Impugnação à contestação, fls. 228/236.
Por decisão de fl. 241, foi deferida a inversão do ônus da prova, determinando que a parte requerida juntasse aos autos cópia do 'habite-se', sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato.
Às fls. 243/244, a parte ré informa que a obra foi paralisada por motivos alheios à sua vontade, de sorte que o empreendimento ainda não foi terminado.
É o breve relatório. Decido.
A matéria é direito e documental, razão porque passo diretamente ao julgamento antecipado da lide, uma vez que não há necessidade de produção de prova em audiência.
Não havendo preliminares, passo ao exame do mérito.
Cinge-se a controvérsia em delinear inicialmente quem é, de fato, responsável pela culpa pela rescisão contratual, sendo que as outras questões serão naturalmente solucionadas em decorrência dessa verificação.
1 – Da responsabilidade pela rescisão contratual
O suplicante alega que a parte Ré descumpriu o contrato, uma vez que não promoveu a entrega do imóvel aprazadamente, sendo que até a data de propositura da presente ação (27/07/2011), isso não teria sido feito, quando o contrato firmado entre as partes fixou o mês de dezembro de 2010 (Cláusula 'E' do referido contrato – fl. 43).
Anoto que a tese defensiva de que não houve atraso na entrega do imóvel, ante o fundamento de que houve estipulação no citado contrato de cláusula de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias (Cláusula 5.1.1), não merece prosperar.
Com efeito, nota-se que até a data da última manifestação da parte ré (02/09/2013) nos autos, a entrega ainda não teria ocorrido, 'por motivos alheios à vontada da Requerida', pontua a construtora.
Desse modo, ante tal informação, cai por terra toda a argumentação da parte ré, notadamente no que tange ao prazo de tolerância, uma vez que nem mesmo tal prazo foi respeitado.
No caso em tela, ainda que se considerasse válida tal cláusula, o descumprimento contratual da parte ré estaria evidente, uma vez que passados mais de 3 (três) anos da data de entrega constante do contrato, o imóvel não foi acabado.
Sobre o prazo de tolerância, assim se manifesta o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. PRAZO DE TOLERÂNCIA. FORÇA MAIOR OU CASO FORTUITO. NÃO OCORRÊNCIA. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. INCABÍVEL A RETENÇÃO DE PERCENTUAL DE 30% DO VALOR PAGO PELA AUTORA. 1. O atraso injustificado na entrega da obra, por si só, enseja a rescisão contratual e a restituição das importâncias pagas pela autora. No caso dos autos, é fato incontroverso o atraso de 07 (sete) meses na entrega das chaves da unidade habitacional especificada na exordial, enquanto o contrato firmado entre os litigantes estabelecia tolerância de 180 (cento e oitenta) dias. Assim, não tendo o imóvel sido entregue na data pactuada, por culpa da construtora, esta deve ser responsabilizada pela rescisão do contrato.2 - Conforme precedentes desta Corte, o prazo de tolerância, in casu de 180 (cento e oitenta) dias, tem sido considerado abusivo, por ferir sobremaneira o princípio da isonomia, haja vista que tal tolerância não é admita quando o inadimplemento obrigacional é imputado ao consumidor. 3 - Não comprovando a promitente vendedora a ocorrência de caso fortuito ou de forca maior, a justificarem o não cumprimento da obrigação, deve restituir integralmente as parcelas pagas pelo promitente comprador.4 - Não há que se falar na retenção de percentual sobre os valores já pagos pela compradora, a titulo de multa, quando a rescisão ao contrato deu-se por culpa exclusiva da construtora. 5 - Como o agravo interno não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão proposta, a decisão zurzida deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo interno desprovido. (TJGO, APELACAO CIVEL 362028-16.2010.8.09.0175, Rel. DR(A). EUDELCIO MACHADO FAGUNDES, 2A CAMARA CIVEL, julgado em 28/01/2014, DJe 1480 de 06/02/2014) [grifo nosso]
Também assim se manifesta o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. ABUSIVIDADE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS.
1. A autora adquiriu imóvel com prazo de entrega estipulado para maio de 2010, com 180 dias de tolerância, tendo sido entregue somente em fevereiro de 2011, computando três meses de atraso.2. Cláusula de tolerância. Abusividade. Infringência a vários dispositivos do Código do Consumidor. Configurada inadimplência, deve incidir multa nos termos do contrato.3. No que se refere à restituição pelo aluguel de Box de garagem, de igual forma, não merece reforma a sentença, porquanto não há nos autos a comprovação dos referidos gastos.4. Dano moral configurado. Poucas situações ensejam maior frustração e transtornos do que o atraso na entrega da tão sonhada casa própria. Atraso na entrega além do prazo da cláusula de tolerância que enseja o direito a reparação por dano imaterial. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71003826450, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 23/05/2013)
Como se pode perceber,o evocado prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias vem sendo considerado abusivo pela jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça deste e de vários Estados, eis que fere de morte o princípio da isonomia que deve reger esse tipo de contratação.
Salienta-se que a maioria dos tribunais têm se posicionado de acordo com esse entendimento, de forma que o Superior Tribunal de Justiça só não se pronunciou sobre a matéria pois, em razão do que dispõe a sua Súmula 05, não se permite recurso especial para discussão de cláusula contratual.
Às fls. 243/244, a parte ré informa que a obra foi paralisada por motivos alheios à sua vontade, de sorte que o empreendimento ainda não foi terminado.
Ressalte-se que o risco da atividade econômica é do empresário, pois pela Teoria do Risco, 'aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes'.
Deste modo, incabível querer responsabilizar o autor, quando foi da parte da requerida o descumprimento contratual.
O fato é que em tais situações, almejam as construtoras de uma maneira geral, gozar do bônus e transferir o ônus para os consumidores, numa postura violadora da boa-fé objetiva e em nítido descompasso com as noções modernas de empresarialidade responsável ou cidadã, que exige que todas as suas ações comerciais similares sejam pautadas pela ética e pelo bom senso.
Sendo assim, depreende-se do conjunto probatório dos autos que o prazo para entrega do imóvel teve fim em dezembro de 2010, e que o autor somente cessou os pagamentos das parcelas em janeiro de 2011, ou seja, um mês após ter-se verificado o descumprimento da parte autora, não havendo que se falar em descumprimento contratual do autor, mas sim da requerida.
Isso porque, tendo a parte ré descumprido com a sua parte na avença, caracterizada pela entrega do imóvel, operou-se de plano a resolução contratual por culpa exclusiva sua, o que fez cessar a contraprestação do consumidor, ora autor, de efetuar os pagamentos das parcelas.
Nesse aspecto, forçosa é a conclusão da culpa exclusiva da Suplicada pelo descumprimento do contrato discutido.
2 – Das cláusulas abusivas
Sanado esse primeiro aspecto, importa verificar que as cláusulas 'Quarta' e 'Quinta', mais especificamente nos os itens 4.2 (referente à devolução das verbas em caso de inadimplemento contratual) e 5.1 (referente à cláusula de tolerância de atraso na entrega), e respectivos subitens (4.2.1 a 4.2.5 e 5.1.1 e 5.1.2), são abusivas.
Com efeito, ambas preveem a responsabilização única e exclusiva do consumidor pelo inadimplemento das obrigações que lhe incumbem, sem qualquer contrapartida no caso de não cumprimento das obrigações atinentes à parte ré.
Deixo de transcrever tais cláusulas porque se desdobram em vários subitens,todosimportando em desproporcionalidade em face do consumidor, não havendo em qualquer deles a responsabilização pela requerida caso não cumpra suas obrigações contratuais.
Com efeito, tais disposições configuram-se abusivas conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor, a saber:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
[...] V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
[...] XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.(Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
A propósito, depreende-se dos termos do artigo 1º1do Código de Defesa do Consumidor que as normas que objetivam a proteção e a defesa do consumidor são consideradas de ordem pública e de interesse social.
Nesse tom, segundo propugna a mais abalizada doutrina,
a proibição das cláusulas abusivas é uma das formas de intervenção do Estado nos negócios privados para impedir o abuso na faculdade de predispor unilateralmente as cláusulas contratuais, antes deixadas sob o exclusivo domínio da autonomia da vontade2.
Trata-se, portanto, como já exposto em linhas pretéritas, de nítidas cláusulas leoninas, uma vez que impõem nítido desequilíbrio contratual, em grave afronta ao princípio de paridade de armas estatuído no Código de Defesa do Consumidor.
O magistrado, em atenção a esses casos, deve buscar extrair o verdadeiro sentido das partes nas relações negociais, a fim de restabelecer o equilíbrio nos contratos firmados e o efetivo respeito aos direitos individuais, considerando a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor de produtos e serviços.
Nessa linha de pensamento, considerando que as normas proibitivas de cláusulas abusivas são imperativas e visam o equilíbrio na relação de consumo, bem como ciente de que é na fase de execução do contrato que as cláusulas abusivas são percebidas, gerando efeitos desfavoráveis ao consumidor, importante vedar tais práticas amplamente vigentes no mercado imobiliário.
Dessa forma, declaro nulos os itens 4.2, 5.1 e respectivos subitens do contrato de compromisso de compra e venda fixado entre as partes.
3 – Da reparação dos danos materiais e morais suportados
A parte autora, em razão da culpa exclusiva da requerida pelo descumprimento contratual, requera aplicação de multa compensatória e juros de mora; a condenação da requerida a ressarcir os valores pagos a título de aluguel até a rescisão do contrato, bem como a condenação na reparação de danos morais.
A responsabilidade civil provém da violação de uma norma jurídica preexistente, a qual gerará uma obrigação ao causador do dano de indenizar o lesionado. É a consequência jurídica e patrimonial do descumprimento de uma obrigação, a qual tem origem no princípio doneminem laedere,o qual significa que 'a ninguém é dado causar prejuízo a outrem.'
Na esfera material, o fato danoso representa lesão de ordem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária. A reparação, por seu turno, refere-se à eventual diminuição de valores já existentes no patrimônio do lesado - dano emergente, e/ou o que deixou razoavelmente de lucrar – lucro cessante (CC, art. 402).
Pois bem.
No caso em tela, verifica-se a previsão de multa moratóriaem caso de inadimplemento por parte do Autor, nos seguintes termos:
CLÁUSULA TERCEIRA: DO INADIMPLEMENTO
- A impontualidade no pagamento de quaisquer quantias devidas em razão desta constituirá o COMPRADOR em mora, independentemente de interpelação, sujeitando-o ao pagamento, à VENDEDORA, dos valores vencidos e não pagos, atualizados monetariamente de acordo com a variação 'pro rata die'do índice aplicável, desde a data do vencimento até a data do efetivo pagamento do valor devido, nos termos deste contrato, acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês ou fração de mês de da multa moratória (de aplicação imediata) de 2% (dois por cento), calculados sobre o valor inadimplido atualizado.
Com supedâneo nessa cláusula, o autor requer a aplicação da multa pelo atraso na entrega das chaves no percentual de 2% (dois por cento), e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, sobre o valor atualizado do imóvel.
Em verdade, a cláusula penal ou multa pode vir prevista no contrato sob duas formas. A multa moratória é estipulada para desestimular o devedor de incorrer em mora ou para evitar que deixe de cumprir determinada cláusula especial da obrigação, com efeito de compeli-lo a adimplir o que lhe cabe. A multa compensatória, diversamente, é estipulada para servir como indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal (inadimplemento absoluto).
Sobre o tema, assim se manifesta o Exmo. Ministro do Superior Tribunal de JustiçaSr. Sidnei Beneti,em voto proferido no Resp 1.355.554 – RJ:
Já aí se percebe que existem essencialmente dois tipos diferentes de cláusula penal: aquela vinculada ao descumprimento (total) da obrigação, e aquela que incide na hipótese de mora (descumprimento parcial). A primeira é designada pela doutrina como compensatória , a segunda como moratória.
[...] Tratando-se de cláusula penal moratória, o credor estará autorizado a exigir não apenas o cumprimento (tardio) do avençado, como ainda a cláusula penal estipulada. Nesses termos a dicção expressa do artigo 411 do Código Civil: 'Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.'
Na hipótese dos autos, verifico que o autor confundiu os conceitos, tendo em vista que pede multa compensatória (no Item 'B' da petição incial), mas fundamenta seu pedido em cláusula (3.1) relativa a multa moratória.
Assim, tendo em vista que o autor se refere efetivamente à multa moratória, entendo não ser ela cabível, uma vez que tal instituto é aplicável objetivando punir o retardamento no cumprimento da obrigação, compelindo o devedor a fazê-lo, o que não é o caso dos autos, em que há pedido de resolução do contrato em decorrência do inadimplemento.
Noutra senda, no que tange à indenização pleiteada dos aluguéis pagosem razão da não entrega do imóvel no prazo, e da consequente necessidade de alugar um imóvel para que pudesse morar até que a obra fosse concluída e entregue, verifico que o Autor se desincumbiu do ônus de provar os valores a que faz jus (fls. 102/106, 108, 110/116).
Ademais, tal possibilidade é plenamente aceita pela jurisprudência, como se pode ver de acordo com o seguinte aresto:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS. CONTRADIÇÃO. OCORRÊNCIA. Acolhem-se os aclaratórios para sanar contradição existente entre a fundamentação e a parte dispositiva do acórdão atacado, sem atribuir-lhes efeitos modificativos, esclarecendo que a tese vencedora foi a de que a empresa Alfa deve arcar com indenização equivalente aos aluguéis que os ora recorrentes tiveram que suportar, em função da demora na entrega da unidade imobiliária adquirida,desde a data limite prevista para entrega do imóvel (novembro de 2008) até a data da propositura da ação (dezembro de 2008), o que compreende lapso temporal de 01 (um) mês. EMBARGOS ACOLHIDOS SEM EFEITOS MODIFICATIVOS.(TJGO, APELACAO CIVEL 596271-54.2008.8.09.0051, Rel. DES. LEOBINO VALENTE CHAVES, 2A CAMARA CIVEL, julgado em 10/09/2013, DJe 1394 de 25/09/2013)
Assim, como não foi sequer pedida a cláusula penal que poderia abranger todas as perdas e danos decorrentes do inadimplemento, mostra-se cabível a indenização dos danos emergentes caracterizados pelos aluguéis suportados pelo autor, desde a data prevista para entrega do imóvel (dezembro de 2010) até a data de prolação da presente sentença.
No que toca à devolução do valor até então pago pelo autor,não há dúvidas de que o mesmo tem o direito de reaver o valor das parcelas desembolsadas, com juros e correção monetária, além de multa, de acordo com os valores apresentados na planilha de fls. 137, devidamente atualizados segundo os índices oficiais, não havendo se falar na defendida incidência de cláusula penal contra a parte autora, porquanto a rescisão contratual se deu por culpa exclusiva da empresa requerida.
Sobre o assunto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é tranquila:
'Decorrente da rescisão contratual, em virtude da mora injustificada da Construtora, promitente vendedora, a devolução integral das parcelas pagas é medida de rigor e está em consonância com a orientação preconizada por esta Corte Superior.' (STJ, REsp 1129881/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/09/2011, Dje 19/12/2011) [grifo nosso]
'CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, CUMULADA COM PERDAS E DANOS E DEVOLUÇÃO DE PRESTAÇÕES PAGAS. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DA EMPRESA PELO DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. RESCISÃO PROCEDENTE. RESTITUIÇÃO INTEGRAL. RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. JUROS DE MORA. CÁLCULO. CÓDIGO CIVIL ANTERIOR, ART. 1.062. CÓDIGO CIVIL ATUAL, ART. 406. INCIDÊNCIA. DANOS MORAIS E MATERIAIS REJEITADOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. HONORÁRIOS. COMPENSAÇÃO. CPC, ART. 21. I.Procede o pedido de rescisão de compromisso de compra e venda, com a restituição integral, pela ré, das parcelas pagas, quando demonstrado que a incorporadora foi responsável pela frustração do contrato em virtude de atraso na conclusão da obra, afastada a hipótese de culpa concorrente (Súmula n. 7-STJ).II. e III. Omissis. IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.' (STJ, REsp 745079/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 10/12/2007). [grifo nosso]
Na esfera dos danos morais, alguns apontamentos devem ser efetuados.
Dano moral é aquele que atinge a pessoa em seus direitos da personalidade (honra, dignidade, intimidade, imagem, nome – previstos na Constituição Federal, arts. 1º, III, e 5º, V e X), não em seu patrimônio, podendo acarretar à vítima dor, tristeza, angústia, sofrimento, vexame ou humilhação. Difere-se do mero aborrecimento cotidiano, o qual não é indenizável.
No mesmo sentido o inc. VI do artigo 6º da Lei 8.078/90, que trata das relações de consumo ordena:
'São direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos, patrimoniais e morais, individuais coletivos e difusos '.
Primeiramente é preciso ressaltar que a doutrina, via de regra, identifica uma natureza dúplice na reparabilidade do dano moral: de compensar e confortar, em termos financeiros, o sofrimento da vítima (aspecto compensatório) e de punir o agressor para que não volte a prejudicar outras pessoas (penalidade exemplar ou punição pedagógica ao ofensor). A reparação pecuniária do dano moral figura, portanto, como um misto de pena e de satisfação compensatória.
No caso em tela, verifica-se pelos documentos acostados às fls. 117/135, que o autor efetivamente realizou seu casamento, na data de 25/06/2011, ou seja, 6 (seis) meses após a data em que estava programada a entrega do imóvel.
Desse modo, pode-se inferir que o mesmo agiu com prudência, marcando suas núpcias com um prazo de segurança, e iniciando o planejamento de diversos itens relativos tanto à cerimônia de casamento e de organização de sua nova casa, de forma que seu enlace matrimonial não se visse acometido por sustos.
No entanto, o descumprimento contratual frustrou os seus planos e de sua noiva, de forma que nada adiantou ter se antecipado na programação dessa cerimônia com significado único na vida de uma pessoa (orçamentos para mobília do apartamento datados de setembro de 2010 - fls. 117/119), todo seu planejamento caiu por terra, ante o atraso injustificado na entrega de seu imóvel.
Ademais, considerando a data da prolação da presente sentença, já houve o transcurso de quase três anos após a realização do casamento, prazo esse de incertezas perante o casal, que presumivelmente (considerando o comprovante de rendimentos do autor acostado na inicial) não teve condições financeiras ainda de morar em seu imóvel próprio.
É, pois, inequívoco o grande abalo psicológico que acometeu o autor em decorrência do descumprimento contratual pela parte ré, superando os meros dissabores que não caracterizariam a incidência do dano moral.
Deste modo, patente está a ocorrência de dano moral, haja vista não haver como sustentar que a compra de um imóvel tenha a mesma importância para uma pessoa que a compra de um 'souvenir'. Assim, a frustração da expectativa no recebimento do imóvel que receberia a recém-formada família, somada aos transtornos de ordem financeira, constitui fator suficiente para causar abalo psíquico bastante superior a meros dissabores.
Escólios deste Tribunal de Justiça soçobram quaisquer dúvidas sobre o cabimento de danos morais em casos como o da espécie:
'APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. PRAZO DE TOLERÂNCIA DE 180 DIAS. NÃO EFICÁCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DO CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR. 1 - Evidente a responsabilidade civil da construtora apelante, que atrasa em quase dois anos, a entrega de unidade imóvel adquirida. 2- Válida é a cláusula de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, de atraso na entrega da obra, desde que comprovado o caso fortuito ou a força maior, em conformidade com o que restou pactuado no contrato de compra e venda. 3- Os danos materiais são devidos e evidenciados nos autos, em decorrência do atraso injustificado da entrega da obra, e das despesas de alugueres expendidas pela adquirente, durante esse período.3 - A indenização moral também é devida diante da situação de incerteza por que passou a apelada, visto que supera em muito meros dissabores do dia a dia e pequenos aborrecimentos do cotidiano, mesmo porque, a questão afeta direito fundamental de moradia, a par de colocar em risco investimentos e a segurança patrimonial da família. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO.'(TJGO, APELACAO CIVEL 327092-98.2012.8.09.0011, Rel. DES. NORIVAL SANTOME, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 21/01/2014, DJe 1479 de 05/02/2014 - grifei)
'Agravo Regimental em Apelação Cível. Ação de c/c Restituição de Valores Pagos e Indenização por Danos Materiais e Morais. [...] VI - Não entrega de imóvel. Superação de mero dissabor. Danos morais configurados. É devida a indenização por danos morais quando o atraso na entrega de imóvel pela construtora frustra a expectativa do comprador em usufruir da imóvel residencial próprio adquirido. VII - Danos morais. Valor indenizatório. Princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Manutenção.Na condenação ao pagamento de danos morais, deve-se considerar a repercussão econômica do dano, a capacidade financeira do lesado e do agente, o grau de dolo ou culpa deste último e, por fim, a dor experimentada pela vítima, conforme o caso. Assim, o ressarcimento do dano moral tende a se aproximar da justa medida do abalo sofrido, evitando, de um lado, o enriquecimento sem causa, e, do outro, a impunidade, de maneira a propiciar a inibição da conduta ilícita. Assim, com base nesses critérios, afigura-se razoável o arbitramento de indenização a título de dano moral em R$ 10.000,00 (dez mil reais).Agravo Regimental conhecido e desprovido.'
(TJGO, APELACAO CIVEL 342002-44.2011.8.09.0051, Rel. DES. CARLOS ALBERTO FRANCA, 2A CAMARA CIVEL, julgado em 21/01/2014, DJe 1475 de 30/01/2014 - grifei)
Quanto à quantificação do dano moral,a Teoria do Valor Desestímulo, afigura-se como a mais adequada e justa, pois ela reconhece, de um lado a vulnerabilidade do Consumidor (art. 4º, I do CDC) frente à posição determinante do Fornecedor e, do outro, a boa-fé e o equilíbrio necessários a esta relação (art. 4º, III do CDC).
A aplicação desta teoria consiste na atuação preponderante do julgador que, na determinação doquantumcompensatório deverá avaliar e considerar o potencial e a força econômica do lesante, fazendo uso da moderação e bom senso.
Tal mecânica no estabelecimento do valor indenizatório tem um sentido pedagógico e prático, pois o juiz ao decidir, considerados esses requisitos, está de um lado reprovando efetivamente a conduta faltosa do lesante e, do outro, desestimulando-o de nova pratica ilícita.
No mais, tem o julgador a liberdade e discricionariedade para avaliar e sopesar a dor do ofendido, a fim de propiciar-lhe o adequado conforto material como forma de compensação, levando-se em conta o potencial econômico e social da parte obrigada, bem como as circunstâncias e extensão do evento danoso.
Portanto, a reparação por danos morais deve ser arbitrada visando reparar, de um lado, os danos causados aos autores e, de outro, não permitir o enriquecimento sem causa. Assim, considerando que o atraso de mais de três anos na entrega do imóvel superou meros dissabores do cotidiano, fixo em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) o valor da reparação, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
4 – Dispositivo
Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do Código Processual Civil, paradeclarar rescindido o contrato, bem como paradeclarar nulos os itens 4.2 e 5.1 e respectivos subitens, econdenara parte ré a pagar ao autor o seguinte:
1. A restituição ao autor detodoo valor pago no imóvel, sem o desconto de cláusula penal ou qualquer outro, devidamente corrigido pelo índice previsto no contrato e juros de mora de 1% ao mês, a partir da data em que o imóvel deveria ter sido entregue (31/12/2010) e até a data do efetivo pagamento;
2. A indenização por danos materiais relativa aos aluguéis pagos pelo autor desde a data em que o imóvel deveria ter sido entregue (31/12/2010) até a data da prolação desta sentença, nos valores constantes dos recibos acostados aos autos e dos que vierem a ser juntados em fase de liquidação, corridos monetariamente e com juros de mora de 1% ao mês;
3. O valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos morais, corrigido monetariamente pelo índice legal, desde a data da prolação da sentença e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento danoso (data consignada no contrato para a entrega da obra), nos termos da Súmula nº 54 do STJ.
INDEFIROo pedido de condenação da parte ré em multa moratória, pelos fundamentos acima esposados.
Concedoa antecipação de tutela na sentença paraproibir a parte ré de negativar o nome do Autor nos cadastros de inadimplentes, devendo retirar a inscrição caso já o tenha feito e para devolver, no prazo de 15 (quinze) dias, todas as notas promissórias em seu poder.
Apóso trânsito em julgado a ré poderá cumprir a sentença voluntariamente, no prazo de 15 (quinze) dias, inclusive com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, sob pena de imposição de multa equivalente a 10% (dez por cento) sobre o montante da condenação, além dos juros legais e correção monetária (art. 475-J do CPC).
Saliento que o prazo de 15 dias para o cumprimento voluntário da referida sentença contar-se-á do seu trânsito em julgado e sem intimação pessoal da ré, bastando a intimação desta sentença na pessoa de seu procurador constituído, pelo Diário de Justiça, conforme entendimento jurisprudencial consolidado do TJGO e STJ.
Ante a sucumbência em grau mínimo da parte autora, condeno ainda a parte requerida ao pagamento das custas e honorários advocatícios, sendo estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, observada a complexidade, o trabalho desempenhado e o tempo decorrido,ex vido art. 20, § 3º, do Digesto Processual.
Após o trânsito em julgado, caso não haja pedido do requerente para cumprimento da sentença no prazo de 30 (trinta) dias, proceda-se o arquivamento do feito com baixa na distribuição.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Goiânia, 20 de março de 2014.
ROZANA FERNANDES CAMAPUM
Juíza de Direito